domingo, 10 de abril de 2011

Anis








Se houvesse uma superfície sensível ao movimento, e que desse espaço de papel limpo à minha letra, assim que ela se escrevesse, que pudesse perceber as oscilações na minha velocidade, e respeitasse esse tempo, parando, seguindo, a minha caligrafia seria perfeita na escrita dessa carta de amor. Porque o sentido que imprimo na minha caneta, inclusive a pressão, o estremecimento por dentro do controle da mão, hesitação, excitação, são o que dizem estas poucas letras: estou te amando. Não que amanhã não vá continuar te amando... um ponto de vista estratégico, monitorado e pretensamente enganadíssimo perante a espera de uma vitória certa. Que se espatifará pelo chão, tão logo confrontada. Sou eu assim, perante você: um herói que custa manter suas conchas contra seu corpo geléico, de pé, sustentado pela força desse amor, que enfrenta-o da mesma altura. Ainda que. (Aqui uma pincelada à Van Gogh.) Ainda que eu falasse com as rosas, não falava com nada tão meigo quanto você.




Francisco Vieira
10/04/11


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sábado, 9 de abril de 2011

Proteção








Cheiro de sabonete amolecido no cocho.
Alguém banha o corpo nas redondezas.
Um corpo completamente entregue nu, à água que lhe escorre.
Aqui estou, e o banho já está no fim, e o escorrer da água cessando,
revela que ele já absorveu tanto, e está tão limpo,
que pode terminar tanta cessão de prazer.
A toalha desliza surda pelo corpo úmido,
não ouve o som do atrito contra esse corpo,
contemplativa que está ante a maciez desta pele.
A tolha pendurada no seu cabide, arrumada,
completamente encharcada de tanto líquido
daquele corpo honesto, morno, cujas intimidades ela conheceu,
se entrega ao peso da saciedade que se abate sobre seu corpo.
Fechado, úmido, nebuloso, escuro, deliciosamente cheiroso,
o banheiro é fechado, lacrado, com toda aquela sensualidade
lá dentro.


Francisco Vieira
09/04/11

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quarta-feira, 6 de abril de 2011

Nain








Há demônios que não são meus,
eu os trago parasitas que os recebi de criança,
e é preciso que eu os mate, se não quiserem me abandonar,
para que possam chegar meus próprios elementais
que seriam de longe muito melhores.

(A turmalina gira sua translação de 12 graus,
os unicórnios nus vêm receber a nova luz, que se abre.)

Foi preciso que eu deixasse a luz entrar em mim,
para que eu visse claramente as trevas mais distantes.


Francisco Vieira
06/04/11


Imagem disponível em http://tinyurl.com/4x54y6e em 06/04/11

segunda-feira, 4 de abril de 2011

Presença Perdida








Cheirei a camisa, não tinha seu cheiro.
Parte de mim queria-o, até que para maldizê-lo.
Você foi e nem a doçura dos seus olhos eu quis guardar,
nem o aconchego forte nos seus braços, dos abraços
duradouros, mornos, suaves seu lábios premendo os meus.
Aquele teu cheiro de roupa limpa, de coisa boa,
que eu procurava tanto sorver, quando me faltava teu hálito.

A camisa não tinha teu cheiro, nem essa lembrança toda.
Até que para maldizer tua presença, antes precisava lembrar.
Houve um momento em que eu realmente me entreguei,
quando quedei sobre teu ombro, na tua roupa limpa, clara,
e respirei, vagarosa e profundamente, teu cheiro de bondade.
Aquele teu cheiro de alma limpa, de índole boa,
que eu procuro tanto achar, quando me falta o que inspirar.




Francisco Vieira
04/04/11


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