domingo, 18 de março de 2007

Contraste

Não sei porque há tanta cobrança com relação a quem sorri. Acho impossível alguém sentar-se e escrever sobre a alegria. Parece-me óbvio que não haja tempo hábil para tanto quando se está mergulhado nesse sentimento, o da alegria. Quem está alegre nem ao menos senta, é uma total perca de tempo. O enlevo que traz esse sentimento jamais deixaria, jamais permitiria tal incongruência. Parar de ser alegre para escrever? Interromper o fluxo da alegria para escrever? Alguém é capaz de deter o vôo do falcão para saber o que é voar sobre planícies, vales, montanhas? Não consigo entender porque tanto se pede lucidez a quem está repleto de luz, feito esponja, feito a terra molhada da chuva, feito lactente no seio materno.
Aquele que ninguém mais viu pode ter alcançado o ar igual a balão de festa... e caiu, provavelmente onde ninguém o poderia reconhecer. E caiu por acaso: nada se pode reger no vôo infinito das asas da felicidade. Não é possível impedir a flor de buscar a luz, a não ser que se perpetre aí um crime. Como seria possível escrever então? Há de se conjeturar que, para se enxergar a folha de papel, seja necessária a luz de uma vela intermediária, fraca e extinguível a curto prazo. Uma pequena ponte, uma pequena ligação: impossível enxergar na luz que reflete a felicidade. Um bebê que mama, abre canais de ligação com a mãe. Ah, geralmente os processos mais complicados se dão início com gestos inocentes. Como escrever sobre uma folha de papel feita de luz? Onde permitirá a felicidade haver trevas? Como por quê? A luz láctea que o bebê suga se perde nele? A luz que os buracos negros sorvem se perdem? Onde? Será que estamos vendo só um lado, quando é possível haja dois? Escrever e descrever a felicidade é impossível.


Francisco José
18/03/03