quinta-feira, 21 de outubro de 2010

Pétala



I



Eu de pedra, tomando uma ducha de pedras,
a areia fina que se desprende de mim correndo suja,
pelo ralo de ar no fundo do box de água,
onde eu respirava som, bebia fogo,
somente uma coisa me impressionou:

havia jasmins nos jardins, pelas janelas...





II



Deixa eu falar mais ainda uma única coisa, além, sobre reflexo:
eu pretendo aprender a olhar no meu olho e enxergar a mim mesmo, perdido, lá no meio
dentro do vendaval de loucura em que se submerge...





Francisco Vieira
21/10/10

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Aasas






- E como está teu coração, alguma coisa te amargura?

- Nada além da vontade que o toma de que chegasse alguém,
assim do meu lado, alguém que perguntasse das flores do meu jardim.

- Elas estão bem, as flores?

- Espetaculares! Se esse alguém me chegasse hoje assim, de surpresa,
e eu o levasse a vê-las, ele as veria no esplendor da sua beleza e frescor.

- Também eu sonho ver um jardim quase que encantado
pelas mãos delicadas com que o jardineiro amorosamente as cuida,
que as ama uma por uma, cor por cor, canteiro a canteiro.

Os namorados pararam, viraram-se e olharam para dentro um do outro,
com a aquiescência amorosa de quem deseja e oferece o peito nu.
Os pássaros ao redor calaram-se, e assim as águas
e a gleba inteira calou-se
para ouvir a respiração uníssona de dois corações que se encontraram,
e que agora se quedam na contemplação eterna de quem se quer o outro.



Francisco Vieira
10/10/10

domingo, 10 de outubro de 2010

AvaGardner



Em algum nível você se mostrou disponível,

e isso aqueceu uma parte muito puramente virgem do meu coração
e eu enlouqueci com o fato de não mais conseguir enxergá-la no olhar
que foi se apagando de algum foco de uma incerta direção
de dentro do seu coração.

Um clarão em que duas imensidões puderam reconhecer-se profundamente,
n
uma tempestade no meio da noite em alto mar,
a amplidão de espaço e poder do outro
defronte ao outro
num momento de luz e claridade de duas grandes massas de energia,
mas que não se pode ficar

aceso para sempre, já que cegaria os olhares que não
suportassem
ficar sem olhá-la fascinados,
nem por um instante sequer...



Francisco Vieira
10/10/10

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Onze mil novecentos e noventa





Eu quero voar.
Ao bater as asas

que devo fazer?
Me jogar?
De onde?

Estou entre o ontem e o amanhã, mas não no meio, no presente...
Que medo eu tive agora de parecer um lagarto, e passei que nem um cisco
pelo olhar das pessoas...

Qualquer lugar deve ser improvável que eu esteja,
conquanto me busque.

Nada nem ninguém há de me encontrar.


Francisco Vieira
01/10/10