sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Caim






A Ricardo Vieira



O tanto que reclamas do preço
daquilo que não te foi dado,
é do tamanho exato da resistência com que recebes
qualquer gentileza, qualquer ato, ou palavra,
de amor.

Quando antecipadamente, no início de qualquer
discordância, tu levantas ameaçadoramente os braços,
diante de ti nenhuma alma boa permanece,
nenhuma gratidão, nenhum acolhimento fica,
para escutar-te o brado atroante.

Embora te saiba sofrendo de um mal que só existe
dentro do teu peito - e como existe,
não posso ser contigo a pessoa que me pedes que seja.
Não me caberia nesse papel, nesse lugar,
não seria feliz, não seria em fim, eu.
Eu me recuso a dar-te, em primeiro lugar,
qualquer coisa que não seja a minha única verdade.

É, mas no alto desse precipício onde descanso, tu não estás presente.
Sinto isso num suspiro, fundo, que chega na minha bexiga.
As paragens a que assisto agora, não vês ainda, meu irmão.
A lágrima que cai, vem brincando na minha pele, se rolando,
se fartando do movimento em que foi lançada, escorrendo,
alcança meu peito que a absorve, em mais um outro suspiro.


Francisco Vieira
24/12/10