domingo, 9 de janeiro de 2011

Serpente





Por que na calada da noite,
quando os astros discretos não se importam
em fazer descobrir os que se escondem sob a sombra,
tramando e observando e estudando e investigando?

Por que nos silêncios argênteos, por entre as frestas,
entre as dúvidas e hesitações das gentes de bem,
por que para surpreender, por que pelas costas,
por que mentir, por que insinuar, por que manipular?

A verdade, só e única, é a luz que te afugenta, rápida,
para os buracos do subsolo, para as solitárias alcovas de terra,
onde te guardas dos olhares curiosos, que o teu desamor
atrai, por te fazer tão repulsivo e vil.

A verdade é o sol brilhante que te impusera
o retiro para a clandestinidade da tua miséria consentida,
onde te rastejas a própria forma quase humana,
impulsionado por culpa tão implacável e insana.




Francisco Vieira
10/01/11

A Roupa Nova do Rei




Quero me despir de tanta carne que me sou,
chegar depois da pele, onde já não sinto frio nem calor,
onde posso assistir os impulsos dos movimentos que não fiz,
contidos e segurados dentro da minha carne.
Eu quero descobrir minhas vísceras, expô-las,
quero olhá-las simplesmente a brilhar na luz,
eu que até ainda apenas e tão somente pudera senti-las
e com a mão tateá-las, apertando, para então descobrir
onde é que ficavam exatamente aquelas dores.
Arranco-as porque não quero mais dor,
arremesso-as de mim, catatônico,
no auge da mais extrema dor e da mais calada paz.
Arranco as carnes também, arranco os olhos,
e assim despido, cego de todo domínio que eu exercia,
de ver brilhar na chama do fascínio, em seus olhos,
o meu perfil pomposo, arrogante,
deixo que me vejam, aquela platéia, os ossos,
em toda a sua fragilidade rosada, antes de perder os sentidos,
definitivamente,
descubro que, infelizmente, esse era o lugar onde eu mais habitava
em mim.



Francisco Vieira
09/01/11