quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Sinovial








As pessoas algumas tem uns mistérios,
mistérios nem sempre sabidos, nem sempre descobertos,
mas para os quais não encontram ação possível remediadora,
nenhuma medida que possa responder às perguntas,
gritadas no silêncio,
e tornar isso público é uma nota a mais na malevolência.

Os pássaros entrechocam-se, às vezes, em pleno vôo
e saem, tontos pelo encontro tropeçado, no ar,
desbarrancado, sofista, elegante.

As pessoas, somos tristes, puras perguntas carnais
andando pelos acostamentos, sangrando,
esperando o caminhão que virá na mesma velocidade contrária,
como resposta definitiva a velocidade angustiada
da sua pergunta.

As pessoas tendem a uma visão mais segura da coisa,
quando descobrem na morte a oportunidade para viver de outra maneira.
Mesmo que isso quebre ovos, e ossos, e moa as cartilagens, dói.
A separação do que é nefasto entre o que é íntegro.

Francisco Vieira
24/02/11



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quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Fala do mestre sobre a pedra






Enfim alguém pode dizer mesmo que
viu o outro feliz quando, o adulto de hoje,
enternecido, cheio de compaixão e amor,
acolhe a solidão daquela criança que ele foi,
dando a ela, finalmente, o lugar merecido
entre os braços seguros que a amam.


Francisco Vieira
23/02/11


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I’m the Passenger







Está acontecendo alguma coisa atrás de mim,
e eu sinto que posso ser atingido, a qualquer momento,
embora uma voz, muito grave, assertiva, afirme
que não.

Mas é que escuto risadas, que podem ser de mim,
do meu jeito de ter lidado com as coisas,
sentimentos guardados, e agora libertados,
porque se sentiram vencedores, na sua pobre
vigilância, recompensada, com a visão de um deslize,
embora a voz declare que não.

-mas aquela visão seria com a qual estamparia,
meu álbum nas tuas memórias,
e colocado na tua mais esquecida prateleira,
depois de outros retratos horrorosos,
e a voz me desmente mais uma vez.

Sim, eu sei, eu sigo adiante,
e nem o medo de que possa ficar, inclusive,
sem os vossos olhos que me desvêem,
porque eram os únicos que eu via até então,
e os quais declinara ver, antes nenhuns,
e fui em busca da minha cegueira definitiva.

Sim, eu respondo à voz, porque me deseja,
vamos, porque no fundo eu sei,
pois essa voz, muito grave, assertiva, afirma,
- isso é um desejo secreto e guardado –
nada disso pode estar acontecendo,
naquilo que ficou para trás de mim,
um personagem que não mais cabia em mim.

E a voz diz ainda que a imagem da fotografia
foi um requinte de perspicácia
- como não concordar?



Francisco Vieira
23/02/11


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sábado, 19 de fevereiro de 2011

Ode Vox







As lógicas errantes das nossas discussões
eram infundadas e delirantes,
porque discutíamos sobre coisas que não víamos.

Era impossível assistir a mesma lógica,
por ti descrita, na paisagem que eu observava...
porque enquanto olhavas para cá,
eu olhava para lá.

Não que alguém de nós precise pagar sozinho
o peso de carregar o fim,
a aridez que se abate de repente sobre as orquídeas,
e as rosas, e as deixa tão cinzas, finas,
quanto as que se ameaçam abater sobre nossos corações.

Não é justo que um seja declarado culpado
da nossa culpa em comum

- mesmo porque o peso de ser culpado
será tão pesado quanto o peso
de ter sido injustiçado, em algum ponto.


Francisco Vieira
19/02/11


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terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Fábula VCXII








Eu abandonei tua casa pelas portas do fundo,
como um ladrão, fugitivo que era da tua força de comando,
que dormia atrás da porta da frente.

E foi uma lufada de brisa doce, úmida e fria
que despertou o carrasco de que o rato, que ele mantinha,
havia buscado as paragens escuras e sombrias da noite.

E quanto luminosos para o fugitivo errante,
pulmões cheios de esperança,
pareceram aqueles caminhos desconhecidos, excitantes!

Na porta dos fundos, sob a luz pálida e mágica, olha o raptor,
pela imensidão das árvores que cegavam qualquer luz na escuridão,
debruçado sob o peitoril da própria covardia por sair...


Francisco Vieira
15/02/11


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segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Dropp








A nuvem escura que chegou a estacionar
por sobre o meu telhado,
já vai embora de mãos dadas com a brisa,
que insinuou-se, constantemente, lhe fazendo a corte.

A nova luz que chega, seja bem-vinda!


Francisco Vieira
14/02/11


Imagem disponível em http://tinyurl.com/4a8emka em 14/02/11

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Vida I





A Ana Carolina Ferreira

Eu queria outra vida:
uma vida angustiada, lutada, sofrida, dramática,
trocada por outra cheia de felicidade,
que os outros fossem raros momentos,
e sempre houvesse a alegria constante de
uma solução completa para cada dificuldade de antes...

uma vida que sempre tivesse sido toda planejada para o feliz,
toda construída por sobre momentos felizes e tijolos de ouro,
com cores por todos os lados, maciez, fluidez, qualidade, amor...
onde você pode ter a experiência mística de olhar a possibilidade
de múltiplas formas, ver outros sentimentos possíveis, escolher,
e então depois chorar profundamente, mas por felicidade...

Francisco Vieira
12/02/11


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sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Nó na Madeira







A João Nogueira e Ataulfo Alves

“...É a paga da praga que eu vou te rogar, devagar...”




Sou nó na madeira, um desvio de conduta dentro de um ser harmonioso,
um erro “na cadência bonita do samba”, ritmada, erudita,
um perfume de jasmins cortado por um fio de esterco irritante,
uma coxeada, uma cochilada, uma falha – um crime,
“de chinelo novo brinquei Carnaval, Carnaval”
eu que não me arvorei querer ser melhor que eu mesmo.


Francisco Vieira
11/02/11

Assistam:
http://www.youtube.com/watch?v=GYr8nwx68Jc
http://www.youtube.com/watch?v=pjmPhPbT4ls



Imagem disponível em http://tinyurl.com/4zlal86 em 11/02/11

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

The killing Jar






As jarras gargalhavam, na sua pontencialidade digna
dos conteúdos gélidos que as faziam suar, na encruzilhada,
jogando os corpos para trás, cujos cabelos seguem o movimento
em meia lua brilhando, cada fio, em cada onda em cascata.

E por que na encruzilhada, o passante descuidoso lançará a pergunta,
a qual será respondida, numa gargalhada tátil,
escorrendo nos pelos do teu corpo, emitindo notas inaudíveis
de prazer, de riso descontrolável e descontrolante destino, ela dirá,
numa expressão de enigmático e despretensioso riso vespertino,
perguntará ‘o que tem a encruzilhada de mais?’

Francisco Vieira
10/02/11


Imagem disponível em http://tinyurl.com/6yc927j em 10/02/11

Balloons






E se perpetra o crime de aprisionar Hélio
num compartimento de borracha colorida, com muito cheiro,
se amarra um cordão na ponta dos mesmos, sob o nó,
e com esse sequestro se comemoram acontecimentos e datas festivas.

Acontece que tal material torna-se poroso, ou pela presão,
que o estica ao ponto de se romper em alguns pontos distintos,
ou se os átomos vão cavando por si só janelas no látex,
e o Hélio vai se escapando, por entre nitrogênio e hidrogênio,
subindo à estratosfera, lugar onde, definitivamente, mora.

Porém se alguma criança, mesmo adulto, liberta o cilindro pelo ares,
o gás inteiro entra na velocidade junta de todos unidos em pressão,
e se alça cortando o ar vulgar que o aprisiona nas profundidades,
sem nenhum rancor, então, passa pela torre mais alta da Igreja, e beija,
já que só tem valor a ansiedade da viagem e da chegada, e a sensação
de se pertencer ao todo - não há quem não grite.





Francisco Vieira
10/02/11


Imagem disponível em http://tinyurl.com/4bxyk4x em 10/02/11

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Visitor






Eu sou a sombra daquilo que eu não era.
E fui chegando em mim, tomando meus limites,
construindo outros mais profundos, mais abertos,
deixando de caber naquele corpo que se adequou todo,
a minha alma, e cresceu, alçando alturas nunca antes tão altas!

Porém eu nesse corpo novo não caibo em muitos lugares,
onde costumava estar, passar, e há sentimentos e
desejos tão diferentes daqueles de antes que, meu coração,
herói de toda a minha constituição física e mental,
precisou sofrer, de alguma maneira, para se adequar
a essa nova e deliciosa etapa de sentir.

Francisco Vieira
09/02/11


Imagem disponível em http://tinyurl.com/46scc37 em 09/02/11

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Máquina Procela









No meu novo mundo eu vejo a todos
não do jeito que eles querem que eu os veja,
por trás das máscaras que já aprendi identificar.

Mal coladas, mal dispostas, trocadas, síndromes construídas,
eu vejo seu sofrimento debaixo da escuridão da sua vergonha.

O rosto mais triste e machucado que se me apresentou,
sem nenhuma máscara foi o que me chamou em silêncio,
por trás daquela formalidade mais fria, de onde fomos embora...



Francisco Vieira
07/02/11


Imagem disponível em http://tinyurl.com/47bde9e em 07/02/11

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Oração a Santa Luzia







Olhar-te através de um espelho, porque não posso
encarar-te frente a frente, eu que nunca me tenho visto.
Eu não existo pelas arestas – a par, de todo o mar,
que é possível se imaginar existir pelas frestas,
e meus símbolos pessoais são inescritos.
No meu reflexo que há pouco estou aprendendo usar,
na minha personificação plástica corpóreo-consciente,
eu ainda não me acostumei comigo, desde que me foi dado
ser olhado longamente.
Por que olhas, em fim, para mim, que a muito custo posso suportar
tanta benevolência, tanta certidão de mim mesmo
como ser bom, digno desse teu olhar intercursado,
cheio de afeto primitivo, de acolhimento, de paixão!

O vício é o eterno reflexo daquilo que nunca foi visto.



Francisco Vieira
06/02/11




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sábado, 5 de fevereiro de 2011

Báscula







São os minutos, e não as horas, os responsáveis pela
amizade tão íntima com a tua própria sombra,
porque ficais tão próximos.
Ali achas os responsáveis pela tua situação tão frágil,
a tua constituição quebrada, caída, remontada,
todos vagando contigo na tua própria casa,
onde não tens o teu próprio ambiente em paz.

Queres as horas longes, embora saiba que elas também
não têm tudo...
aqui incomoda demais esse estado de mutilação e sufoco,
vai para os segundos...

Lá os estados não se diferenciam muito, e não os sentes tanto,
então há tempo suficiente para pensar com mais clareza,
e estabelecer uma meta entre os tempos para cima,
assim como para baixo.


Francisco Vieira
05/02/11




Imagem http://tinyurl.com/4bzv6r7 em 05/02/2011.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Origem






Às vezes, meu pensamento flui com a velocidade de uma Desdêmona
entre intrincados caminhos, entre labirintos úmidos e febris,
parafraseando cada frase que escuto, cada música que ouço,
dançando qual bola ciclista nos túneis do tempo, arredondados...

nada me veste, a não ser o resultado da simples equação euXtu
deixando-me assim, nu, perante os varais ascensionados da imensidão,
onde eu percorro com todo prazer o meu próprio caminho,
que há de se encontrar com o teu, mais à frente...

mas foi porque não coubesse mais no teu colo interno, de sangue e cal,
que me expulsastes, já respirando e desejando tuas tetas,
que me davam resultado a uma ânsia que eu não sequer conhecia,
o teu leite foi o meu cúmplice no desenvolvimento de mim mesmo.

Doce terra firme tórrido torrão de solo a sustentar meus passos cegos
na hesitante, frágil, de carne existência do meu eu fora do teu corpo,
os teus braços construíram-me consciência da minha espinha dorsal,
que haverá de me sustentar durante toda a vida extra uterina.

Mas é tão bom voltar a tua casa, já no entardecer, sol laranja,
onde, me esperando, a tua benévola maternagem sobre a mesa disposta,
o colo aberto, sorriso acolhedor, e o amor de que te mamo, dos olhos,
quando então dizes, num fim de suspiro: “meu filho!”


Francisco Vieira
01/02/11

Imagem disponível em 01/02/2011 em http://tinyurl.com/4bbx7dq