sexta-feira, 25 de julho de 2008

Fala ao Coração

Meu Coração, não batas, pára!
Meu coração, vai-te deitar!
A nossa dor, bem sei, é amara,
A nossa dor, bem sei, é amara...
Meu coração, vamos sonhar...
Ao mundo vim, mas enganado.
Sinto-me farto de viver:
Vi o que elle era, estou massado,
Vi o que elle era, estou massado...
Não batas mais! vamos morrer...
Bati à porta da Ventura
Ninguém ma abriu, bati em vão:
Vamos a ver se a sepultura,
Vamos a ver se a sepultura
Nos faz o mesmo, coração!
Adeus, Planeta! adeus, ó Lama!
Que a ambos nós vais digerir...
Meu coração, a Velha chama,
Meu coração, a Velha chama...
Basta, por Deus! vamos dormir...

António Nobre
Coimbra, 1888.

Os Cativos


Encostados às grades da prisão,
Olham o céu os pálidos cativos.
Já com raios oblíquos, fugitivos,
Despede o sol um último clarão.

Entre sombras, ao longe, vagamente,
Morrem as vozes na extensão saudosa.
Cai do espaço, pesada, silenciosa,
A tristeza das cousas, lentamente.
E os cativos suspiram. Bando de aves
Passam velozes, passam apressados,
Como absortos em íntimos cuidados,
Como absortos em pensamentos graves.

E dizem os cativos: Na amplidão
Jamais se extingue a eterna claridade...
A ave tem o vôo e a liberdade...
O homem tem os muros da prisão!

Aonde ides? qual é vossa jornada?
À luz? à aurora? à imensidade? aonde?
- Porém o bando passa e mal responde:
À noite, à escuridão, ao abismo, ao nada! -

E os cativos suspiram. Surge o vento,
Surge e perpassa esquivo e inquieto,
Como quem traz algum pesar secreto,
Como quem sofre e cala algum tormento...

E dizem os cativos: Que tristezas,
Que segredos antigos, que desditas,
Caminheiro de estradas infinitas,
Te levam a gemer pelas devesas?

Tu que procuras? que visão sagrada
Te acena da soidão onde se esconde?
- Porém o vento passa e só responde:
a noite, a escuridão, o abismo, o nada! -

e os cativos suspiram novamente.
Como antigos pesares mal extintos,
Como vagos desejos indistintos,
Surgem do escuro os astros, lentamente...

E fitam-se, em silêncio indecifrável,
Contemplam-se de longe, misteriosos,
Como quem tem segredos dolorosos,
Como quem ama e vive inconsolável...

E dizem os cativos: Que problemas
Eternos, primitivos vos atraem?
Que luz fitais no centro d’onde saem
A flux, em jorro, as intuições supremas?

Por que esperais? n’essa amplidão sagrada
Que soluções esplêndidas se escondem?
- Porém os astros tristes só respondem:
a noite, a escuridão, o abismo, o nada! -

assim a noite passa. Rumorosos
sussurram os pinhais meditativos.
Encostados às grades, os cativos
Olham o céu e choram silenciosos.


Antero de Quental