segunda-feira, 14 de junho de 2010

Vento Oceânico









Eu deixo pedaços meus espalhados ao longo do teu caminho,
E às vezes borrifo no ar dois ou três perfumes entre espaços de tempo,
E outras tantas finco bem no chão minha pegada,
Um sussurro, um suspiro, um carinho, um doce,
Ainda insisto...



Se a lebre louca te encontrar pelo caminho e perguntar sobre o teu filho,
Diga que tem me visto...


Francisco José
14/06/10

O Gato

O Chapeleiro Maluco fez uma reverência à Rainha Branca. Bea ficou lisonjeada e acreditou que ele lhe pudesse fazer um chapéu. Carterpillar acendeu um novo cachimbo, assoprando ilusão no ar, e o Chapeleiro se foi. E eu ainda estou triste. Relembrei-me dos maus tratos da Rainha Vermelha. De fato ela estrangulou-me e uma das suas unhas rubras entrou-me na carne perto da jugular. Felizmente ela teve a sua atenção desviada e não finalizou o assassinato. Depois, mas bem depois, Caterpillar ressoprou-me e agora estou curado, depois de tanto tempo. Durante esta espera surda cuja existência eu ignorava, e que eu nem esperava, não sofri. Mas ainda agora que não deixo de sentir sua mão em aperto, compadeço-me, dessa história e de mim. Agora a Rainha Branca pode respirar mais esperança: Alice foi embora, mas o Chapeleiro talvez lhe faça um chapéu.




Francisco José
13/06/10

Considerações sobre o poço

Desespera-me a pressa da noite
que ameaçadoramente chega
e não é só uma ameaça: é ela
- que passa célere dentro de mim,
anoitece-me e me reparte:

Sou o oco denso desta repartição
a seção esdrúxula desta parte
da noite, onde os monstros podem existir:

Sou a parte rouca deste grito calado
a roupa rasgada na brusca ruptura
do dia , que se foi logo,
deixando-me abandonado, só.

Para quê chorar?

Sou a criança sob o peso desta noite úmida
que arvora-se ser minha educadora, mãe, tutora
e bebe a inocência dos meus olhos
apalpa-me numa súcia luxuriante
fala-me no rosto, mole, halitosamente seduz...

Quando solta-me no dia,
as flores calmas balouçam na brisa
descuidadas...
ainda trago respingada no rosto sua saliva grossa

de quem ouviu muito de perto,
de quem não respirou,
para quem nem todo o choro de vergonha contido no coração
fosse capaz de lavar tanto cuspe!



Francisco José
11/06/2010