quarta-feira, 27 de julho de 2011

Cadeias




Cadeias

Eu sou completamente enclausurado:
o amplo céu me enlaça com fitas de vento,
coloridas, ao capricho da incidência da luz.
Também acordo, enquanto os pássaros entoam a sinfonia
do alvorecer, saúdam o dia, lembrando que são felizes.
Desafino entre a exata distância afora o contato da pedra com o vento
que a lambe...
eu não posso imaginar ser livre, porque as ameaças de alegrias
e prazeres no fim do dia, no clímax do sol declinando, entardecendo.
Torno-me mais preso ainda, atado pelas mais abscônditas fímbrias,
por essa incerteza que certamente invade meu espaço antes povoado pela luz.
Envolvo-me então de seres alados
que protegem e estreitam um pouco mais
as cordas nos limites da minha existência.

Não meu irmão, Deus o livre de ser livre...


Francisco Vieira
27/07/2011

Disponível em http://tinyurl.com/3obg7jl em 28/07/2011

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Projeto A





Talvez amanhã eu decida quem sou,
se por acaso não me distrair
correndo no campo de camomila,
deitado na sombra,
escalando uma cachoeira,
nu,
bebendo vento, bebendo água.

Pode ser que eu saiba definir-me amanhã,
não por puro clichê, que é uma convenção,
- enquando estiver pulando, eu e um cão,
um periquito, uma eventualidade,
enquanto o arco íris se exibe,
enquanto a pedra molha,
se eriçam pelos e ereções.

De qualquer maneira, continuemos
nosso incerto colóquio amanhã,
porque naquela flor,
que o beija-flor deseja,
já brotou líquida a doçura
que atrai borboletas,
abelhas e tanta alegoria!

De qualquer maneira, não sei
ceder ao teu desejo de me conhecer,
mesmo quando afirmas me conhecer,
porque nem mesmo posso validar
o teu conhecimento sobre mim.
E quando explicas tuas razões,
varrem pesadas nuvens
o frio vento da tristeza,
que sopra a boca torta da decepção,
no meu mundo cheio de espontaneidade.

Então, não tente dizer
no lugar onde eu não digo
a verdade sobre mim.
Ela não existe:
é construída dia a dia.
Deixe eu repousar na minha
desabedoria.



Francisco Vieira
20/07/2011

Imagem disponível em http://tinyurl.com/3m3nxv7 em 20/07/2011

Feitio de Oração



Benditos vós, que vos expressais por palavras,
que fizeram, do som, uso para articular pensamento,
que conseguis comunicar vosso mais profundo e pequeno medo.

Vós, que tendes vos esmerado em buscar a mais preciosa expressão,
que vos contendes de ansiedade enquanto a pedra bruta vai tomando forma,
brilhando, sem a menor mácula aparente...

regozijai-vos que vos surpreendeis com a entrada súbita da brisa,
trazendo um aroma refrescante de folha úmida,
e podeis falar sobre isso, com a exatidão de um aprendiz.

O que era antes disso, antes de poderdes desenhar assim,
a nível de lousa neuronial, da maneira mais clara e lúcida,
os desenhos das sutilezas de sentimentos inerentes a vós...?

Porque assim sois, transformados, de bestas comuns,
que apenas grunhiam sentimentos óbvios e sem fundamento,
em Homens leves, tão leves quanto as imagens que podem criar,
compondo-as com palavras.

Paragens azulíneas transparentes, flutuantes,
como fumaça moldada qual argamassa fosca,
pairam azuis gasofilácias, e se espalham com um sopro!

Benditos vós que comunicais exageradamente vossos sonhos,
que abris aos ventos vossos anseios nos corações descontidos,
vós que sois honestos e que alimentais a verdade a qualquer preço!





Francisco Vieira
18/07/2011

Imagem disponível em http://tinyurl.com/3w5hbf6 em 18/07/2011

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Balé Sensorial







Aprendi uma saudade,
que vem num impulso de onda,
e retorna toda salpicada de espuma,
para então recomeçar um novo ciclo...

assim como a tristeza sonolenta do fim de tarde
queda muda no silêncio da noite,
é uma saudade que dorme na certeza
de que outra aurora trarás quando retornares...

longe daquela saudade aterradora
que não conhece companhia,
e que se fixa na ilusão
de que, junto com o outro, ela desaparece!

Mas não a tua presença!

Pois que quando comigo, juntos,
esclarecendo desejos e elogios,
falando baixo, no lábio do outro,
funde-se em meu coração uma energia

cálida, quase como um magma
preenchendo uma fenda na rocha fria,
a tua presença que percebo por todos
os sentidos, me superpreenchendo...

uma saudade que eu gosto de sentir,
porque é supérflua, é desnecessária,
porque me faz pensar em ti,
e porque gosto de pensar em ti.



Francisco Vieira
08/07/2011

Imagem disponível em http://tinyurl.com/3kaeoaw em 08/07/2011

Diário de bordo






Pleno



Não há nada que eu escute mais
do que o que é dito diretamente aos meus olhos,
olhados pelos olhos teus.

Quando o som que ouço
ao murmurares “eu te amo!”
de maneira tão simples e aberta,
é um objeto ínfimo
na disposição dos móveis e complementos
da sinceridade e da honestidade
desse olhar.

Na verdade é essa a casa onde eu moro,
aquela que vislumbro a partir do que vês de mim.

Não há dependência nossa, ambas,
da existência dessa casa morna, acolchoada,
mas assim que chegamos lá, ela, se materializam,
mutuamente, e assim nos deixamos ficar
simplesmente conversando,
pelo olhar, lendo os lábios, o som desligado.

Esta é uma ilha
que conquistamos além do frêmito
e do choque do encontro, por onde nadamos,
braçadas e respiração profundas,
nossos corpos se esforçando e se empurrando contra o outro.

Um momento de descanso
dentro de um momento de prazer.

Uma fatia de felicidade.




Francisco Vieira
07/07/2011

Imagem disponível em http://tinyurl.com/6ga3gzc em 07/07/2011

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Sombra











Seja bem-vindo você que não me vê,
que esconde meu rosto por trás às sombras,
aos arvoredos noturnos enegrecidos pela noite,
mas que buscam a claridade se enraizando
fora de terra, dessa vez:
por entre a claridade dócil da lua cheia.

Você, que me vislumbra nos becos, nas dobras,
com os olhos súplices, desesperado,
quando por ventura algum relâmpago vem me nascer.

É que quando nos sonhos profundos, quando então
temos a chance de nos relacionarmos mais de perto,
quando enfim você vem a meu encontro
e vomita o alimento azedo que me sustenta,
é que eu tenho a oportunidade de dizer-lhe
que minha maior intenção sempre foi parecer com você,
e que minha maior decepção foi você ter se tornado
a pessoa que mais se parece comigo.

Enojado, mal posso disfarçar minha repugnância...
e busco junto ao calor dos fogos-fátuos meu abrigo,
o descanso para a minha cabeça que nunca se consome em fogo.

E essa ilusão de me esconder,
é um véu sobre a verdade,
sob onde quem se esconde sou eu.



Francisco Vieira
07/07/2011

Imagem disponível em http://tinyurl.com/6eus7az em 07/07/2011

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Circuitos Elétricos





A você, amigão!




O meu corpo me ruge com uma excitação lasciva,
como se fosse uma besta, à qual eu devesse dar rumo,
que fala nos meus diálogos mais íntimos,
que me clama nos mais íntimos descansos,
nos suspiros, espreguiçando, esticando, bocejando...

eu que converso assim, abertamente, sem nenhum limite,
entre meus diversos diálogos, bailarinamente,
inclusive nas pausas que se coincidem num silêncio profundo...

eu que caio, em mim, e me resgato antes do encontro
no chão,
em mim eu me lanço abaixo e me alcanço
e acho em mim mesmo a exaustão das minhas energias
brincando.

Mas esse diálogo cessa quando próximo do teu corpo.
Eles conversam numa linguagem muda e toda sensitiva
que desconheço, toda cheia de reações e aproximações,
e se queimam e se ardem como fogo e oxigênio
onde nossos corpos, como lenhas contorcidas e grudadas,
são a base do nosso encontro onde ardemos nossas almas...

é quando então nos cristalizamos no meio líquido do mel,
lá juntinhos, transformando, sentindo-nos trincar em açúcar,
dentro da nossa respiração onde inspiramos o outro até o coração.

Eu calo no teu corpo.





Francisco Vieira
01/07/2011

Imagem disponível em http://tinyurl.com/6xtv573 em 01/07/2011