terça-feira, 21 de setembro de 2010

O Poeta




Bem, para vocês que não me conhecem, eu sou o Poeta,
nascido de catacúmbicas lembranças, instado a ser por avessos e chuleados,
alguém que não sabe muito bem e exatamente o que faz,
como se imagina,
e cuja sorte nem sempre tem pássaros que não sejam negros e pestilentos a segui-lo.

Sim senhores, este sou o Poeta e,
como o poema tem forma e a vida não,
como os girassóis cumprem sorridentes o seu destino de assistir ao sol,
as abelhas lotam excitadas, de mel, as suas colméias,
passarinhos terminam os seus ninhos, esperançosos,
quando tudo é mais tépido e úmido, e os dias mais compridos,
o Poeta muitas vezes está no quarto, vivendo as dores que lapidam pedras em carne,
cuspindo seus pulmões de quando em quando.

O Poeta sou esse,
quem cria versos como quem se enlouquece, se autoflagela,
respira fundo ainda quando a mão pontuda da dor lhe esgana,
resgata a luz para onde ainda havia treva dentro de si:
o Poeta, eu, é aquele que se revela as entranhas a luz do dia.

Portanto, quando disser das pérolas e das turmalinas,
das catleyas e das rosas, dos beija-flores, das borboletas,
espalhando uma sucessão de cores e aromas e texturas,
lembrem-se
aquilo é o sangue negro, que o poeta carrega nas veias e o enche de dor,
transubstancializado.




Francisco Vieira
21/09/10

Emeraude



Nos instantes em que nada anseia ser dito,
quando há apenas o sentimento que precisa e se quer expressar,
a receita sugere o uso das palavras com parcimônia.

Como as claras que se batem até a neve,
e que sustentam toda a leveza da mousse,
palavras servirão de veículo às ideias,
que serão sorvidas delicadamente,
e se depositarão, esperando, calma e fracionadamente,
por toda a língua, espalhando, o sabor do chocolate.

Isso, claro, quando o olhar não mais for excelente
em revelar a real paixão das intenções,
quando elas soçobram no patamar de serem inundadas
por lágrimas que chegam de saveiro, catarticamente,
quando se experimenta o crème brûlée.




Francisco Vieira
20/09/10