quinta-feira, 13 de maio de 2010

Mendigo

Eu como das latas de lixo, eu me alimento dos restos que outros não quiseram. Eu me alimento do resto daquilo que foi desprezado por não ser necessário. Do que foi ofecerido ou dado mas, apesar de ter sido aceito, não foi consumido ou absorvido. Nem sei se é assim também: quem ganhou ou foi agraciado não deu valor ao que foi dado por possivelmente ter vindo de uma fonte não muito digna de confiança. Ou talvez tenha sido descartado exatamente por isso. Pode ser que o que me alimenta nem tenha tido a sua existência percebida, estragando, tornando-se imprópria para consumo.
Procuro alimento em todos os lugares de fácil acesso, onde eles possam estar assim: a minha disposição, disponíveis, para mim, que cheguei primeiro.
Verdade, eu não vou atrás do alimento, de uma certa forma. Vou atrás somente do alimento pronto, aquele que eu não preciso cultivar, manter aquecido, cozinhar, mexer panelas... não quero isso, apesar de fingir que quero, de cozinhar, de cultivar, de mexer panelas e as manter aquecidas, de viver como um cidadão que se compraz com tudo isso, nada disso me sustenta, visto que mastigo pensando naquilo que realmente quero. Apesar de estar sempre faminto, sempre procurando no lixo o que comer, me porto e visto com a maior acuidade: sou um cidadão digno, e não pareço viver de migalhas do chão, como uma pomba vulgar numa estação de trem. E o faço fortuitamente, sorrateiramente, pelos cantos escuros, nas passagens improváveis, me recompondo a cada flagrante. Não me alimento bem eu sei. Mas não me julguem ser algo que não sou, nem mesmo que finjir ser alguém que não sou. Porque nem sou ninguém, no afã de tentar ser alguém.

Francisco José
13/05/2010