sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Bola





Sou descrente, falei, enquanto ela,
no seu sorriso, inundava de luz.
E tem mais: sou um embuste,
enquanto ela, sorrindo, coloria o dia,
como quem enchia a tela de aquarela.
Minhas pétalas são apenas folhas modificadas,
e não têm cor, apenas respondem ao seu estímulo
(sorria, mas não era uma continuação:
um sorriso dentro do outro, como ondas)
de maneira que a todos encanto
com uma mentia cheirosa, adocicada.
Então seu sorriso morreu fundo no meu cálice.
Aceito, desabrochei tranquilo, esférico.


Francisco Vieira
22/01/05

Haicai Deformado






Vislumbrei a mesma química
coexistindo nos ferros direcionantes do bonsai,
e na vontade da mãe de Jean Harlow.



Francisco Vieira
09/11/00

Contato





Sou solúvel, é meu destino,
dissolver-me nas crenças do menino.
Não espero nem desespero,
desesperar é esperar.

Antes porém do contato dissolvente,
eu já desaprovava o desgosto da dissolução,
confundido no meio líquido da dor,
liquefeito, desparticularizado, neutro.
Estado confuso, homogêneo, então simples,
na vida comum dos meios fios, meios solventes.
Detergente. Água com óleo digerido.
Assim brindo sem entusiasmo minha taça,
volvo à sacada e, retido pela murada,
derramo o conteúdo borbulhante na calçada.



Francisco Vieira
30/12/04

Cotidiano





Desacelerei o passo
(sim, sem me preocupar
com a energia que foi
necessária para dar
tal velocidade à marcha,
na verdade despendendo
mais energia ainda)
você atrás de mim
(como pudemos deixar
de notar meu passo
sempre à frente de nós)
e a porta já fechada
quando eu chegara
(nenhuma pressa, nenhuma
que advenha de tal
motivo: eu não querer
estar do seu lado)
choverá hoje?


Francisco Vieira
26/02/05

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Caim






A Ricardo Vieira



O tanto que reclamas do preço
daquilo que não te foi dado,
é do tamanho exato da resistência com que recebes
qualquer gentileza, qualquer ato, ou palavra,
de amor.

Quando antecipadamente, no início de qualquer
discordância, tu levantas ameaçadoramente os braços,
diante de ti nenhuma alma boa permanece,
nenhuma gratidão, nenhum acolhimento fica,
para escutar-te o brado atroante.

Embora te saiba sofrendo de um mal que só existe
dentro do teu peito - e como existe,
não posso ser contigo a pessoa que me pedes que seja.
Não me caberia nesse papel, nesse lugar,
não seria feliz, não seria em fim, eu.
Eu me recuso a dar-te, em primeiro lugar,
qualquer coisa que não seja a minha única verdade.

É, mas no alto desse precipício onde descanso, tu não estás presente.
Sinto isso num suspiro, fundo, que chega na minha bexiga.
As paragens a que assisto agora, não vês ainda, meu irmão.
A lágrima que cai, vem brincando na minha pele, se rolando,
se fartando do movimento em que foi lançada, escorrendo,
alcança meu peito que a absorve, em mais um outro suspiro.


Francisco Vieira
24/12/10

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

"Questionário






Você naturalmente é contrária à prostituição.
( ) Sim ( ) Não
A prática da prostituição é o ato mais vil e baixo.
( ) Sim ( ) Não
A prostituição está veiculada ao tráfico, às armas e drogas.
( ) Sim ( ) Não
Monotonia pode levar à prática da promiscuidade remunerada.
( ) Sim ( ) Não
Você é a favor da prostituição.
( ) Sim ( ) Não
Através da prostituição o homem exalta-se.
( ) Sim ( ) Não
A prostituição constitui em crime contra os bons costumes,
a moral e a cidadania.
( ) Sim ( ) Não
Não é verdade que prostitutas de luxo só andam em vestidos de grife,
carros importados e perfumes exóticos e lingeries pecaminosas.
( ) Sim ( ) Não
Nem você nem seu marido, vocês nunca praticaram a prostituição.
( ) Sim ( ) Não
A prostituição é uma prática libidinosa e luxuriante.
( ) Sim ( ) Não
Tem prostitutas as quais você admira.
( ) Sim ( ) Não
Você admitiria uma amizade com a prostituta.
( ) Sim ( ) Não
A prostituição é um ato clandestino, de vandalismo, de banditismo proibido.
( ) Sim ( ) Não
Você liga prostituição à imaginação de líquidos pouco fluidos.
( ) Sim ( ) Não
Você tem sensações que não sabe descrever, ao conversar sobre prostituição.
( ) Sim ( ) Não
A palavra prostituição faz meu corpo vibrar.
( ) Sim ( ) Não
Você já praticou o adultério?
(Não somos católicos, mas queremos saber.)
( ) Sim ( ) Não
Mais de três homens frequentam a minha cama, e não me pagam.
( ) Sim ( ) Não
Você se considera prostituta.
( ) Sim ( ) Não
Você já se apaixonou por uma prostituta.
( ) Sim ( ) Não


Muito bem dona Yacón Conceiçõn Braga, entraremos em contato caso seja escolhida.”


Francisco Vieira
23/12/10

Estandarte






Eu vinha na prata de ala, onde tudo era mais gigante,
perambular, pelos escrutínios de uma nova era,
pairando no ar pulsadamente como um aeromodelo
do sim, do não, do talvez, do quem sabe...

Não me ousas ordenar escolher-te...
se sois um, posto que te encontras no infinito,
vendei meus olhos, perambulei por ali, para me perder,
escolhi a esmo e entrei, e cá estou sem nem querendo saber,
que caminho me carrega para o infinito!
Não quero saber o não sexo do meu bebê!

Pelo ouro de ala, desfilando, líquido, grosso, morno,
um perolado mar de esperanças, de possibilidades,
rumando em busca de um prazer desconhecido que os impele,
os fascinam, lhes cegando visões não mais necessárias,
árias, música, dança, corpo, suor... Sensualmente!

(É porque quando você para assim, e me olha, me vê,
acolhendo meu momento de prazer dentro dos seus braços,
eu atinjo um nível de emoção cativantemente desconhecido, alto,
e é aqui exatamente que eu quero ficar com você.)

Ah, Ismália emerge das águas e se dispersa
na luz que vem da sua irmã, beijando,
amparando a queda, amparando o vôo,
da diafaneidade dos sentimentos
que me inspira a construção desse poema.

Francisco Vieira
23/12/10

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Pérola





Estou no lugar onde a tristeza se diluiu,
ou choveu, não sei ao certo dizer,
já que me ocupava de um pouco desse mar que eu
conseguira chorar.

Mas agora olho assustado para tudo,
e aquela imensidão negra que se instalara no meu céu,
dissipou-se, deixando uma leve névoa branca luzidia.

Para onde foi tudo e tanto?
Onde estás Arthur?
Em que noite sombria a tua alma,
gentil possuidora da minha, se abrigou desse temporal de emoções?

Estou na calçada, do lado de fora,
molhado, as tintas negras escorrendo,
trazendo a tona a minha própria sombra que nunca vira.

O que me impede momentaneamente de sair gritando,
dançando, bebendo, gargalhando, amando,
é o pouco medo do que eu farei com tanta coisa boa,
no mundo aberto, escancarado, livre, aventureiro...

Francisco Vieira
20/12/10

sábado, 11 de dezembro de 2010

Werther



Eu sou Verlaine.
Onde estás Arthur?
Em que noite sombria a tua alma,
gentil possuidora da minha, se abrigou desse temporal de emoções?

Eu sou a tua alma da minha,
com passagem livre entre os corpos
que se agigantam no emaranhado de paixões,
consumindo-nos os espíritos e o corpo, que já não se distrai.

Eu sou você por toda a eternidade.
No piso frio do chão em que desistimos
de nos sustentar,
onde caímos exaustos os nossos corpos
e livres essas almas, a que já não pertencem mais nada...

A nossa poesia jaz mole, sem tônus, pelos ares a girar.

Francisco Vieira
11/12/10

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Nódulos





A André Gonçalves
Os arcebispos já procederam à votação?
enquanto na terra a manada estoura,
e a pele vibra na energia que aquela força tanta produz
em meio de pássaros que se perdem em vôo,
na surpresa abrupta de se entrar na cachoeira de uma vez.

São doze aqueles que sentam e pacientemente aguardam?
a lava fecunda que num estouro ejaculatório
traz à superfície a riqueza e o calor de uma entranha foguinolenta,
áspera, rude, bruta, brilhante!
Estrelas...

Eles recebem a ficha de condenação todos num prato de prata?
a fragrância leve que inspira as massas a tornarem-se
perfumes, na ampla ferocidade das temperaturas,
que movimentam-se vigorosamente, esfriando aquele sêmen vivo,
tornando-o terra, com rega constante.

Terá fim algum dia o sofrimento da vivência desta cena?
a semente que nasce e frutifica, povoando a terra, revoendo a terra,
desenhando a camada externa de um útero proibido, protegido
onde só lá, na mata virgem, poderiam nascer os espíritos,
num seio morno e úmido, que abriga, sustenta e cria.

Assim a vida se deu, assim os rios encontraram o mar,
numa praia tranquila, deserta, coroada de sol, de umidade, de sal...


Francisco Vieira
10/12/10

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Aquarela





Eu queria ser um cisne,
para em teu torso de lama singrar,
para mergulhar no teu mais fundo submundo,
te reconhecer assim inteiro
como quem assiste ao parto de um equino:
Misiáticum.

Explasnáuticum.
Espasmos ciliares das catarses mais dramáticas
da dança que dispensa o uso do corpo,
onde a alma encarna o corpo que controla.

Um peixextetulárium plana,
arvorizado e magenta, dentro do ocaso, espletindo,
consumindo um ar romantizado, rosa, doce, morango,
em cima do altar que é o ventre do seu companheiro.

Roselásticum Plenus se avivam, saindo de suas conchas,
se onde encantam pelas florestas tropicais em tons de azuis,
sendo vermelhas, se parecem lilases, da luz cobalto,
que às vezes escurece as paisagens por aqui...




Francisco Vieira
06/12/10