terça-feira, 30 de novembro de 2010

Monjolo



Eu acredito em mágicas,
e coisas e pessoas especiais na vida,
a tudo que eu me busco merecedor,

entre a terra e o céu,

que possa me favorecer a felicidade.


Eu suspeito porque não consigo entender

que os mares, nos domingos ensolarados,

são mais verdes do que nunca,

mas só ao entardecer.


Acho possível e considerável a realidade que vai

revelar-me o astro lá em cima, outra realidade, atrasada,

e que bem possivelmente estará apagada.

Por isso vivo neste lugar por um instante que é devanescente:

entre os últimos raios solares, a briga com as trevas arrogantes,

que chegam tomando por direito seu espaço, naquela equilibrada luta

entre forças igualmente ameaçadoras e poderosas,

- pois que sob a luz diluída as cores se mostram mais sensuais,

mais apelativas, as fragrâncias liberadas no frescor do fim da tarde,

onde é maior a umidade de tantos perfumes e aromas,
que
sentir-se úmido, lúbrico, no meio destes matos, destas flores,

sentir a pele pinicar sendo picado por diversos insetos pequenos,

enquanto os instintos inflamam a carne fremente, desejosa, espasmódica,
no cio dos animais, pode ser deliciosamente delirante...



Francisco Vieira

30/11/10

segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Terra





E você que nunca ardeu,
de que valeu guardar o corpo pra mim,
que o consumirei
lenta
e dolorosamente,

Que junto com meus escaravelhos penetraremos fundo suas carnes,
corroendo,
despindo-lhe até os ossos de um corpo que você achou que era seu,
como pode lhe negar amor, vida, movimento, graça?

Por que você destruiu o monumento que eu própria ofertei?


Francisco Vieira
29/11/10

sexta-feira, 26 de novembro de 2010

Montesquieu




Eu não estou em mim:
estou em, estou algo que avoesço, de repente de rodopio,
independentemente de qualquer ponto de onde eu pudesse tecer
minha trama de movimentos que em nada tocam,
nada pesam, nada sopram.

Que se subsistem apesar das contradições que as constroem,
e que se dispuseram, imperativamente, se auto acolherem,
nas tramas roucas do meu destino!

Vades, gentis almas livres, no vento, incessantemente,
para que possais viver sozinhas, no tempo passado,
se reconhecerem, se reencontrarem, se reorganizarem,
para que possamo-nos reencontrar, no futuro, de qualquer maneira,
porém mais livres, mais fluidos, mais aquáticos, mais luz!

Francisco Vieira
26/11/10

Ulisses





Eu estou ardendo as costas nuas sob a luz de um novo sol,
que descobri suportar, desde que eu decidi despir-me,
desde que eu decidi olhar na direção que meu coração apontava...

De ti eu não tenho uma simples lembrança, que me invade o pensamento,

numa torrente tão próspera onde não cabe nenhum pensamento outro
- o teu cheiro entranhado na minha pele, entre as dobras, sob as unhas...

O peso do teu corpo sob aquele abraço, onde medimos tanta força,
ainda posso sentir nas minhas costelas, ressentidas de tanta proximidade...

A pálpebra que se pisca, entregue, no olhar não todo aberto que eu fecho,
sob meus lábios, num beijo pousado, te veneram, dessa forma, a alma...


Acima de todo sentimento que me possa resumir porcamente como saudade,
o teu rosto com o sorriso maroto com que sustentas o meu olhar, me cega,

esperando francamente que nada mais possa me fazer pensar em algo que não seja tu.

Circulam ainda na minha organização corpórea, nos meus dutos,
os líquidos que teu corpo me dera e que eu porventura pude sorver...

Ainda assim não te amo, já domino esta fera:

ando, contigo, ao teu lado, por onde formos que quisermos ir juntos,

ando sozinho com outras presenças, outros devaneios,
outros nadas,
porque sei que além poderemos nos reencontrar.

Em toda a plenitude de nossa liberdade.



Francisco Vieira
26/11/10

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

A flor




A flor balança ao vento,
nascida simples da brutalidade
orgânica e podre do húmus,

sem se dar conta de que é de água,
sem se importar porque reflete a luz.

O coração precisa ultrapassar a humildade
para chegar a refletir a luz.

Francisco Vieira
03/09/2010

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Parnaso



Como é mesmo que você vem me dizendo quem eu sou?

Não dê você as desculpas que o outro quer ouvir
mas que não são as suas exatamente
pois estará dizendo algo de você mesmo ao outro
que vai se afastando de você próprio
levado, mão nas costas, pelas suas falsas máscaras.

Lamente, um pouco a cada minuto, pelo menos,
o fato enlouquecedor de ser uma neurose controlada
-durante poucos anos-
e depois viva o resto da sua vida comemorando o fato
de não precisar vivê-la.

Ame, durante anos, décadas, e desame, num segundo,
sem a dificuldade de ter de carregar nos ombros
a compaixão desesperada de não desagradar o outro.

Eu digo quem você é porque eu penetro no verdadeiro
espírito errante das palavras, criando a partir dele, enquanto escrevo,
situações teatralizadas pelos elementos dramáticos, plásticas,
onde cada criatura verá, dependendo do ãngulo,
da altura, do lugar, o próprio reflexo de si mesmo
e que mesmo eu jamais poderia ver.


Mas ainda assim,
você não saberá dizer quem você é.

Francisco José
02/11/2010