segunda-feira, 14 de junho de 2010

Considerações sobre o poço

Desespera-me a pressa da noite
que ameaçadoramente chega
e não é só uma ameaça: é ela
- que passa célere dentro de mim,
anoitece-me e me reparte:

Sou o oco denso desta repartição
a seção esdrúxula desta parte
da noite, onde os monstros podem existir:

Sou a parte rouca deste grito calado
a roupa rasgada na brusca ruptura
do dia , que se foi logo,
deixando-me abandonado, só.

Para quê chorar?

Sou a criança sob o peso desta noite úmida
que arvora-se ser minha educadora, mãe, tutora
e bebe a inocência dos meus olhos
apalpa-me numa súcia luxuriante
fala-me no rosto, mole, halitosamente seduz...

Quando solta-me no dia,
as flores calmas balouçam na brisa
descuidadas...
ainda trago respingada no rosto sua saliva grossa

de quem ouviu muito de perto,
de quem não respirou,
para quem nem todo o choro de vergonha contido no coração
fosse capaz de lavar tanto cuspe!



Francisco José
11/06/2010

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